Marte e Venus, por Sandro Botticelli.
Na mitologia grega o Amor (Cupido ou Eros) é filho da deusa da Beleza (Vênus) e de Ares (deus da guerra sangrenta). Isso significa que o amor possui alegrias e dores.
Se notarmos bem, na mitologia grega os deuses são eternamente felizes e belos. Como o amor é um ser desejoso de algo que não possui, logo ele não é um deus. Mas também o amor não é imperfeito, logo também não é um mortal. O amor é algo entre o mortal e o imortal, um intermediário entre os homens e os deuses. Visto assim, as atividades do amor são: penúria (miséria) e recurso (fartura), avidez pela sabedoria, coragem, decisão e energia, mas também pobreza, dureza, falta de lar, desabrigo e desconforto. Por isso o amor nem enriquece, nem empobrece; mas está sempre a meio caminho da sabedoria e da ignorância.
E qual a conclusão disso? O amor é o sentimento que nos faz semelhantes aos deuses, não iguais a eles. Amar é experimentar na terra a divindade que há em nós, tornando real a possibilidade de sermos tais quais os deuses no mundo terrestre, assim como de conduzir a quem amamos pelo mesmo caminho. Logo, estamos vivendo o constante aprendizado amoroso, isto é, aprendendo a amar amando. E o que significa saber amar? Respondo: saber amar significa afastar o sofrimento. E como amar sem sofrer? Se tiver a resposta, amigo leitor, deixe no final deste ensaio um comentário, por favor (rsrsrs). Mas adiante darei algumas dicas.
O amor-perfeito é uma flor alegre, de lindo colorido e forte resistência. Ela é o símbolo da glorificação do trabalho, mas também está associado ao amor romântico, duradouro, amor para toda a vida. Representa recordação, reflexão. Em francês, anuncia “le pansée”, o pensamento, o pedido de retorno, a força de atração que o pensamento exerce sobre as coisas, O AMOR.
Podemos conceber o amor feliz para sempre, sem brigas ou conflitos? Só se for na idéia. O amor verdadeiramente “perfeito” não se consuma no plano sensível, restringindo-se ao ardor do nosso pensamento. Na realidade, quando o amor sai da idealidade, e parte para a vida concreta, ou seja, deixa de ser objeto de sonhos e de fantasias dos enamorados, perde a perfeição imaculada que a idéia torna possível.
O amor pleno e perfeito idealizado por Platão só existe no “mundo das idéias” e por isso mesmo foi adjetivado de “Amor Platônico”. O que é “amor platônico”? É o amor não correspondido, aquele em que o amante apenas contempla a pessoa amada. Um amor perfeito que só existe na verdade do pensar. Isso significa que, quando alguém junta as trouxas e os cacos com a pessoa amada, e arca com a felicidade da realização desse amor, com seus problemas e suas contingências inerentes, descobre-se que ele não é tão perfeito assi
m. Aqui cai muito bem o famoso jargão: “Na teoria tudo é muito lindo, mas na prática é outra”.
Para Platão as coisas, e tudo o que está no mundo sensível, são cópias imperfeitas da realidade. Às idéias primeiras, universais ou essências a que remetem as coisas é que reside a verdade ou mundo inteligível acessado pelo pensamento. No plano sensível estão as cópias das Idéias, que são apreendidas pelos sentidos. Isso significa que o verdadeiro é o amor da alma pelo conhecimento e pelo lado espiritual da vida, ou seja, o verdadeiro amor em Platão é um impulso de vida para a sabedoria e não necessariamente para uma pessoa. Por isso filósofo é aquele que ama a sabedoria, e faz como parceira para o resto da vida a Filosofia.
Mas meu amigo leitor pode dizer: Ney, mesmo com suas imperfeições, eu prefiro amar um depravado ou uma mulher que dê lá as minhas dores de cabeça. Então, como amenizar o inevitável? Ou seja, como amar sem tanto sofrer? Bem, para aqueles que pensam como Aristófones, e acham que temos uma alma-gêmea:
Ficamos mutilados em dois, e cada um anseia por encontrar a metade que corresponde e, quando a encontra, a ela se une e envolve-se com desejo de se fundir um no outro. Os amantes, no ardor do amor, confundem-se desejando ser apenas um, e a mais dilacerante dor para aquele que encontra sua metade é se ver privado dela. Nossa natureza originária era inteira e não cortada, por isso, ao mesmo tempo em que encontramos o nosso pedaço, também nos reencontramos.
O princípio de moderação de Aristóteles também é aplicável no amor. A ausência ou excesso de amor (apaixonado ou sexual) pode causar distúrbios psicológicos sérios. Temos aí no primeiro o Transtorno de Aversão Sexual e, no outro, o Desejo Sexual Hiperativo (DSH). No primeiro caso o desejo sexual é praticamente nulo; no segundo caso, já temos o desejo em excesso. Neste quadro, a desregulação ou falta de controle da motivação sexual causam a erotomania e a ninfomania, termos que indicam um exagero do desejo sexual por parte de um homem e de uma mulher, respectivamente. Ou seja, o amor sexual demasiado e descontrolado é doença mental.
Os danos causados pelo amor compulsivo podem ser relacionados também nos níveis diferentes de adição ao sexo, desde masturbação compulsiva e prostituição, a alguns comportamentos parafílicos (perversos) como exibicionismo, voyeurismo ou mesmo pedofilia e estupro.
Hoje em dia, com o maior acesso aos meios de comunicação como internet, encontramos uma nova modalidade de hipersexualidade: compulsão sexual virtual (sexo virtual), atingindo mais de 2.000.000 de pessoas que gastam de 15 a 25 horas em frente ao computador navegando em sites de sexo.
Esses exemplos mostram que o amor desregulado causa perversões e sofrimentos. Então para ser feliz e não sofrer com esse sentimento, é preciso que se ame de forma inteligente e equilibrada.
Muita gente sofre nas tentativas frustradas de encontrar o seu amor. Isso acontece porque se pode tentar com ansiedade demais ou tentar na hora errada obter o que o seu coração deseja. Esforce-se para diminuir o desejo e escolher uma hora melhor. Em termos de conhecer pessoas, a melhor hora é quase sempre quando não nos esforçamos nem um pouco. Pare de procurar e encontrará. E se não encontrar, não vai se importar, porque não estava procurando. Esta é a arte de procurar sem procurar.
A experiência coletiva é realista e nos alerta: todas as relações são imperfeitas. Talvez tenha sido a compreensão disso que Santo Agostinho disse que a única pessoa que pode te amar verdadeiramente e plenamente é Deus, porque o amor dos homens só permite a falhas, tais como, "ciúme, desconfiança, medo, raiva e discórdia." De acordo com ele, Deus é amor “para alcançar a paz, que é a sua”. Portanto, mesmo que você encontre uma pessoa maravilhosa, nunca existirá o perfeito “felizes para sempre”.
Mas uma coisa é certa, o que caracteriza o amor é a solidariedade e a concórdia entre os indivíduos que participam do amor; o desejo de posse não entra no amor, porque a possessividade é uma característica dominante que fica nos limites da paixão, da personalidade de quem ama com “amor” apaixonado, e isso não é bem o amor.
Outro ponto que merece destaque, e que está muito em voga, é o amor por utilidade e por prazer que constituem formas incompletas de amor, porque, nessas formas, A deseja bem a B só na medida em que B é útil ou agradável para A, e não pelo valor intrínseco de B. Os amores desse tipo terminam sempre que B deixe de ser útil ou agradável para A. A terceira forma de amor, a qual Aristóteles considera amor completo, exige três condições: A ama B por ele próprio; A ama B por aquilo que ele realmente é; A ama B porque B tem um caráter virtuoso.
Visto assim, o verdadeiro amor é gratuito. Uma forma de amor fundamentado em interesses pessoais é prejudicial à felicidade. Esse tipo de amor é denominado de Pragma (do grego, "prática", "negócio") e é o Amor interessado em fazer bem a si mesmo, Amor que espera algo em troca.
O casal é, geralmente, a relação adulta fundamental. Por isso é de suma importância que se encontre a relação certa para evitar a devastação causada no término do relacionamento. Cuidar desde o início de um relacionamento potencial a dois para torná-lo sólido e eficaz, pode ser de grande importância para assegurar um resultado mutuamente satisfatório
durante um longo período.
Cupido (Eros) e Psique, em tela de François Gérard.
O amor e a alma em pleno equilíbrio podem viver felizes para sempre. Juntos, representam a integração harmoniosa dos opostos, que projeta o ser humano numa vivência amadurecida. Ou seja, um amor humanizado, trabalhado, que transmuta e faz crescer os que partilham esse sentimento.
Amar não é precisar do outro porque simplesmente aprecia a companhia. O perigo do amor está justamente na desmedida e no desequilíbrio. A falta de harmonia em relação ao amor acontece quando a pessoa gosta muito mais do objeto de desejo do que o próprio desejar. O que mata qualquer relação é quando a pessoa se dedica ao relacionamento em busca de uma posse. É o ciúme possessivo nos dias de hoje. Dessa forma, o indivíduo não ama amar o outro, ela ama a “coisa outro”. Isso não é amor, pois amor não é posse.
Quando o assunto é amor e felicidade, em que sentido podemos falar em isolamento na vida moderna? A resposta é simples: quando seus participantes prolongam seu isolamento através de interações virtuais, em lugar das reais.
Encontrar um (uma) parceiro (a) de vida numa sociedade tecnológica como a nossa não é nada fácil. A mecanização do espírito que pode resultar do progresso tecnológico e como isso pode obstruir o nosso desenvolvimento como seres sociais. Com tantas interações humanas intermediadas hoje por algum tipo de interface tecnológica, seja um computador (msn e as salas de bate-papo, por exemplo) ou um telefone, o contato entre as pessoas perde a intimidade necessária para gerar relações individuais e, em conseqüência, comunidades.
Falar sobre Amor e Felicidade no mundo cibernético é delicado. Há uma tendência muito grande na sociedade atual para formar comunidades artificiais unidas por um tênue fio tecnológico, mas destituídas de qualquer tecido social verdadeiro. Obviamente que o celular, o msn e as salas de bate-papo, entre outros, expandiram o círculo de relacionamentos potenciais, mas nele corremos o risco de nos perdermos nesse leque imensurável de opções e possibilidades.
O relacionamento a dois é um desafio a ser enfrentado. E se esse desafio é encarado o motivo não pode ser outro: Para sermos plenamente humanos e felizes, precisamos estar com outras pessoas. Vemo-nos refletidos em outras pessoas, portanto as relações podem nos ajudar a nos compreendermos melhor.
Um relacionamento bem-cuidado é um tipo de felicidade. Quase todo mundo concorda que queremos relacionamentos que nos façam felizes. Então, um relacionamento amoroso que propicie felicidade se mantém no equilíbrio da balança ou no meio-termo, isto é, os dois membros têm apoio para realizarem seu potencial como indivíduos, assim como realizar o potencial do par, fazendo com que o todo seja maior que a soma das partes.
Mas a realidade é que o ser humano é egoísta e auto-referente, então, a sua felicidade pode ocorrer à custa da felicidade dos outros. O que é preciso, então, para manter um relacionamento? Eis algumas dicas:
a) interação na rotina, como decidir juntos o que comer no jantar ou um rápido beijo de despedida;
b) quanto mais algo acontece, menor o seu valor. Então um pouco de privação e inovação de algumas coisas no relacionamento é positivo;
c) a maleabilidade é a chave para a sobrevivência da relação. A natureza de uma relação é conservar algo diante de uma mudança. Isso não quer dizer que uma relação não muda, pois deve mudar. E é justamente com a mudança que é preciso saber lidar, para que ela não devaste tudo.
Jovem defendendo-se de Eros, pintura de William-Adolphe Bouguereau (1825-1905)
Um relacionamento espontaneista, privado de responsabilidades, não se edifica. Muita gente acha que o compromisso é uma perda de liberdade, mas na verdade um compromisso encarado com responsabilidades é um exercício de liberdade. Como disse Pitágoras, nenhum homem é livre se não puder comandar a si mesmo. Assim, todo relacionamento precisa admitir um compromisso fundamental, base sobre a qual irá construir. Ou seja, toda relação precisa de um forte incentivo para as pessoas continuarem juntas.
Não estou defendendo a autoridade externa pautada no eclesiástico, civil ou alguma filosofia. Mas sem quaisquer regras que orientem o casal, deixam as pessoas sem saber como agir umas com as outras. É preciso que todo relacionamento construa, se apóie e respeite boas idéias mutuamente, para que se mantenha a estabilidade e a paz.
Não se aluga uma relação. Pelo menos uma relação duradoura, pois essa requer cuidado e manutenção constante. Isso é preciso para se gerar intimidade e uma ligação profunda. Porém, há um sério problema num compromisso sólido: quando muito se conhece seu parceiro ou sua parceira, há menos razão para se ser cortês no meio de um conflito. Isso cria o potencial para a verdadeira ameaça: você sabe onde é o calo de seu parceiro e não tem medo de pisá-lo. Quando vale tudo no amor (como na guerra), alguém pode ser ferido gravemente.
Para sair desse terrível impasse, o atitude mais sensata é abrir mão de parte do seu poder em troca de uma certa segurança obtida na cooperação com o outro. Se é mais forte com o outro, não contra ele, quando se trabalha juntos para alcançar metas comuns, sem fraquejar nesse caminho. Por isso afirmo que a freqüência de opiniões conflitantes não torna uma relação duradoura. Resumindo em duas palavras: revezar-se e partilhar.
Uma relação não vive de divergências, de julgamentos precipitados, muito menos da imposição de desejo do outro. Uma coisa é fundamental em qualquer relação que queira perdurar: a disposição de investir energia para fazer a relação dar certo.
Enfim, o amor sem sofrimento exige equilíbrio, tomada de iniciativas oportunas, busca constante de aperfeiçoamento e desinteresses materiais. Seguimos aqui o ensinamento de Aristóteles: o amor cresce com a sabedoria e a virtude, porque à medida que nos tornamos mais virtuosos, também "nos desligamos dos desejos egoístas e elevamo-nos nos degraus do amor”. Primeiro só se ama a si mesmo, depois o outro e, em seguida, os outros.
Para não concluir o assunto, sugiro para o leitor algumas obras fascinantes. “História do Amor no Ocidente”, de Denis de Rougemont; “Pedagogia do Amor”, de Gabriel Chalita; “Banquete” e “Diálogos” de Platão. Outros dois grandes homens da história que deram grandes exemplos de amor e que, por isso, vale a pena ler sobre eles foram Manhatma Gandi e Jesus Cristo.
No sentido religioso e cristão do termo, o pensador Santo Agostinho dizia que existem diversas maneiras e intensidades de amar, e todas são válidas. Até as pessoas amamos com intensidades distintas, pois o amor é um sentimento individual. O erro está em inverter a intensidade do amor. Assim, as coisas terrenas são amadas pelo amor vulgar ou amor humano. As coisas que transcendem o espírito, a alma, a beleza em si devem ser amadas com o amor divino. Desse modo, pecar é você amar as criaturas com o amor de Deus. Ou amar Deus com o amor das criaturas.
Para encerrar, uma passagem da Bíblia Sagrada que sintetiza aqui o tema refletido.
“O amor é paciente, o amor é prestativo. Não inveja, não se mostra, não é orgulhoso. Não é rude, não é egoísta, não é facilmente irritável, não mantém registro de erros. O Amor não alardeia o mal, mas se regozija com a verdade. Ela sempre protege, sempre confia, sempre espera, e sempre persevera.” - 1 Cor. 13:4-7
Aquele Abraço!